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49. Os dois tipos de Tangos

Você sabe o que é um tango? Pela sua vivência, sabe julgá-lo de qualidade ou não como música, dança e aula?

Este artigo tem como objetivo acrescentar à sua visão e sua crítica minha percepção sobre o que leigos pensam sobre o tango.
Emprego o nome de “índice de sensação de tango” ao que o leigo e o iniciante nos estudos desta dança esperam encontrar em um show ou em uma aula. Um leigo satisfaz-se com alto índice de sensação de tango quando, por exemplo, o casal de dançarinos esta com traje de gala, executa sequências rápidas e a coreografia emana sensualidade. Já um estudante iniciante tem um maior índice de sensação de tango quando faz uma aula de gancho do que se estivesse fazendo uma aula de caminhada.
Certa vez, Ângela, estudante de tango de uma das minhas turmas, veio me contar sobre suas últimas férias passadas em Buenos Aires. Era sua primeira vez na cidade e, depois de um ano de aulas de tango, queria uma imersão completa no mundo portenho. Seguindo as recomendações da agência de turismo e de alguns parentes que já haviam feito essa viagem, marcou seu citytour e três jantares com “show típico de tango”. De volta ao Brasil, em sua primeira aula, fez questão de chegar mais cedo para me contar que se sentia muito decepcionada com os shows de tango que havia visto e, também, com sua dança pessoal. Com os shows porque esperava ver mais danças parecidas com as que ela aprendia, menos músicas cantadas e muito, mas muito menos cavalos brancos e mulheres seminuas no palco; consigo mesma, porque depois de ver aqueles shows se sentia incapaz de aprender a dançar e batia também uma sensação de ter jogado fora um ano estudando tango.


Existem dois tipos de tango para a maioria dos tangueiros: o tango show e o tango salão. Porém, essa classificação não corresponde efetivamente à realidade. Talvez a mais impertinente seja a de “tango show”. Impertinente porque uma apresentação de tango pode sofrer inúmeras variações de acordo com os espectadores e, espectadores com “s” são sempre expectadores com “x” quanto ao número a ser apresentado. Por isso, deve-se ter cuidado com tal classificação levando-se em consideração também a plateia. Portanto, o conhecimento e vivência sobre o tango influencia diretamente no gosto e na valoração do bom e do ruim, do belo e do feio, tanto de quem dança quanto de quem assiste.

Uma das melhores apresentações de tango que eu já vi fora realizada pelo casal Sebastian Arce e Mariana Montes. Dançaram a música “La Melodia del Corazón” executando somente passos simples como caminhadas, giros, pouquíssimos boleios (que, depois de alguma pesquisa, cheguei a conclusão que se escreve com “b” e não com “v” por se tratar de um movimento arredondado – na maioria das vezes – e não uma jogada de futebol ou tênis) e uma musicalidade incrível. Entretanto, minha Tia Inês, que não dança tango, insiste que o Richard Gere e a Jennifer Lopez são muito melhores.

Os consagrados dançarinos de tango Sebastian Arce e Mariana Montes.
Todavia, indiscutível é a coerência da classificação “tango show” na apresentação dos campeões mundiais de 2012 na categoria “tango escenario”, Cristian Sosa e María Noel Sciuto. Preencheram todos os critérios objetivos e subjetivos do regulamento do campeonato que ditam a expressão dos dançarinos, os figurinos, a escolha da música, as escolhas de passos de efeito e de uma sequência apoteótica para o grande final. Em geral esse tipo de show de tango trás em si, não só para o leigo, mas também para os tangueiros, um elevado índice de sensação de tango.

Comparando os dois shows de tango acima citados podemos dizer que um se encaixa mais na classificação “tango show” do que o outro? Se respondermos que sim estaremos negando uma, de duas lindas formas de expressão tangueira. Os dois são belos shows de tango, mas, particularmente, gosto mais do show do primeiro casal. Questão de gosto e não de crítica técnica ou artística.

Cristian Sosa e María Noel Sciuto, na performance que lhes garantiu o título de Campeões Mundiais de Tango Escenário 2012.

Não me sinto à vontade dançando como os campeões apesar de, há muitos anos, ter chegado a me apresentar com características próximas ao padrão “escenario”. Confesso que, por esse motivo, muitas vezes, já recusei convites para me apresentar em certos eventos particulares ou profissionais pensando ser a minha interpretação para um show de tango incompatível com as expectativas da plateia ou do contratante.

Nós dançarinos podemos ter preferência de estilos, de interpretações, mas devemos sempre ter preocupação com o conteúdo e não com a aparência do tango. Jogar a dama para cima, fazer uma estonteante sequência de ganchos e sacadas, usar um vestido com uma bela fenda, dançar de terno e gel no cabelo podem elevar o índice de sensação de tango de uma apresentação para uma plateia leiga, porém, quem sabe identificar um bom tango, logo percebe a falcatrua. Doutrinar os estudantes e, consequentemente, aos poucos, as plateias sobre todas as nuances dessa arte é o caminho para que se possa apreciá-la em toda sua amplitude.


O processo de aumento do índice de sensação de tango de sua dança vem de dentro para fora mediante muito estudo, aulas, prática e experiência. Toda vez que pensamos ao contrário disso nos voltamos contra nós mesmos, aprisionando-nos a estereótipos e limitando tão vasta e profunda cultura artística.

Muitos de nós já sentimos algo parecido com o que Angêla sentiu naquele momento e, por experiência, digo que se você já se sentiu assim esta começando a distinguir o que é um bom show de tango e, portanto, tem tudo para dançá-lo bem!