Que texto interessante- tem que ter muita cabeça pra escrever isso aí , adorei , algumas partes não entendi rsrsrs outras amei, outras não concordei, mas li e respeito a opinião do autor.
Já em meu primeiro contato com a
Dança de Salão percebi que esta atividade exerce uma influência
avassaladora sobre o comportamento sexual de pessoas em diferentes
faixas etárias.
Inicialmente, imaginei que isto se devia
a relação de masculinidade e feminilidade exigida na comunicação
realizada pelos movimentos dos corpos. Mas este sexo velado na Dança de
Salão exercia nítida interferência nas condutas adotadas além da dança
em si. A visão era misteriosa e atraente o bastante para instigar anos
de pesquisa.
No início da década de noventa,
questionei dois professores homens sobre o que a Dança de Salão teria a
ver com sexo. Um deles respondeu “NADA”. O outro, “TUDO”.
Duas respostas antagônicas, ambas resumidas em apenas quatro letras.
Dediquei-me intensamente à exploração desta questão a partir de
fundamentos biológicos e vivências em salões e salas de aula de Dança de
Salão. Um universo começou a descortinar-se.
O “NADA” é muito fácil de perceber.
É só olhar para a Dança de Salão como a aplicação de uma técnica
artística, ou uma atividade física, apenas um exercício como qualquer
outro, inclusive recomendado por alguns médicos.
O “TUDO” exige reflexão, leitura, estudo e experimentação.
Aos olhos de um biólogo, a Dança de Salão tem tudo a ver com sexo. Isto
é tão óbvio que até mesmo documentários de divulgação científica sobre
pesquisas na área de sexo são ilustrados com a dança a dois. Um exemplo é
o episódio “Deepest Desires” da série “Human Instinct”,
produzida pela BBC em 2002, exibida pelo Discovery Channel no Brasil e
disponibilizada em DVD pela Editora Abril, no ano de 2005, sob o título
“Instintos – O lado selvagem do comportamento humano”. Já na abertura
são mostrados casais dançando em um salão enquanto o apresentador,
professor Robert Winston, introduz o episódio sobre o complexo mundo da
atração sexual.
Outro excelente exemplo é visto em Grandes Séries: “A Ciência do
Sexo”, exibida pelo canal de TV à cabo GNT, em 2004. A série toda é
baseada no livro “Anatomy of Love”, um best seller de 1993 da
antropóloga norte-americana Helen Fisher, especializada em sexualidade
humana e ganhadora do prêmio “American Anthropological Association’s Distinguished Award”,
simplesmente a maior honra para um antropólogo norte americano. Um dos
episódios, “Para amar e respeitar”, é ilustrado com imagens de valsa.
Inicialmente, é feita uma narração sobre monogamia, durante a qual
aparecem casais valsando livremente em um salão. Segue-se informando
que, atualmente, a maioria dos indivíduos vivencia mais de um
relacionamento ao longo da vida, experimentando uma sequência de
monogamias que são reconhecidas, por alguns, como uma modalidade de
poligamia.
Enquanto estas explicações são narradas aparecem, de tempos em
tempos, as damas se soltando dos cavalheiros e girando em direção ao
cavalheiro seguinte, mudando de par durante a dança. Em seguida,
aborda-se a instabilidade da conflituosa poligamia e que uma das origens
do estupro seria a dificuldade de acesso às mulheres. Durante esta
narração mostram-se alguns cavalheiros sobrando às margens do salão
enquanto cada um dos outros dança valsa com duas damas ao mesmo tempo.
Possivelmente, muitos biólogos e antropólogos, ao assistir à dança de um casal, lembram dos rituais de acasalamento do mundo animal que tão bem conhecem. Entendem, inclusive, ser possível, embora não obrigatório, que a prática da Dança de Salão provoque excitação sexual. Há movimentação rítmica dos corpos e improviso, como no ato sexual. Portanto, veem a Dança de Salão como produto aprimorado do sexo.
Mas
o ritual de acasalamento tem como finalidade a cópula, que objetiva a
reprodução. Então, ao fazer esta leitura da Dança de Salão surgem
paradoxos. Casais que não “copulam” podem dançar lindamente e de maneira
muito integrada, transmitindo o conteúdo sexual com habilidade
indescritível. Casais que “copulam” podem ter dificuldades para dançar
juntos. Logo, a Dança de Salão não é, necessariamente, o prelúdio do
sexo propriamente dito. Como seres racionais, somos capazes de assumir
uma dimensão paralela, mas ainda interligada às regras biológicas do
sexo. Racionalizamos, abstraímos, criamos. Logo, podemos simular rituais
de acasalamento sem realizá-lo, apenas por diversão e prazer. Lembremos
que o próprio sexo, atualmente, desligou-se da obrigatoriedade
reprodutiva, estando fortemente relacionado à finalidade da obtenção de
prazer. Daí o sucesso dos métodos contraceptivos. Hoje, nossa espécie
tem plenas condições de reproduzir-se sem sexo (inseminação artificial) e
fazer sexo impedindo a reprodução (com uso de contraceptivos).
Quanto à busca que cada um faz, notemos que não é incomum ouvir, e
até ler, depoimentos de homens que usam a Dança de Salão para ampliar
seus recursos na conquista de parceiras sexuais. Quanto às mulheres, a
procura que fazem nesta Arte, em sua maioria, revela estratégias mais
elaboradas e sutis da mente humana. Mas estes objetivos podem aparecer
invertidos entre homens e mulheres e mais variados sob um olhar
expandido.
Isto mostra que a Dança
de Salão é capaz de imiscuir, em harmonia, o nível mais instintivamente
animal – o sexo, com o mais sofisticado da mente humana – a Arte, como
se um nascesse do outro, para o outro e vice-versa.
Então,
para descobrirmos nosso sexo particular na Dança de Salão, sejamos,
primeiramente, voyeurs. Sentemo-nos para assistir uma dança, outra e
mais outra, e muitas mais. Reconheçamos que, o que acontece entre um
casal dançando pode ser diferente do sentimento que temos ao assistí-lo,
seja porque há um sexo que não vemos ou porque não há um que vemos.
Depois, dancemos, muito, com vários parceiros e em distintos salões.
Estudemos o sexo, a evolução do cérebro, a Arte e a Dança de Salão.
Isto
nos permitirá perceber que cada mente capaz de respeitar seu par e o
salão tem autoridade para fazer da Dança de Salão o que mais lhe convém.
Seja “TUDO”, “NADA”, ou ainda, novas esferas com poder de desfazer esta
polaridade ingênua.
*Artigo inspirado na introdução do livro “Sexo e dança de salão”, Editora Protexto, 2007, da autora.
Fotos: Paula Couselo, Natalia Cristoval e Tango Greco
Pintura: Tango, obra de Kathryn Renee
http://www.dancaempauta.com.br/site/artigo/o-que-a-danca-de-salao-tem-a-ver-com-sexo/