Haveria melhor combinação?
A gestação é um período muito particular da vida da mulher, com
alterações físicas, comportamentais e sociais, muitas vezes
ambivalentes. A dança de salão é uma atividade que favorece o convívio
social, beneficia a saúde e cultiva a subjetividade e os valores
artísticos.
Esta mistura tem tudo para dar certo, mas tem particularidades, é claro.
As modernas diretrizes da Medicina do Esporte reconhecem amplamente
os benefícios do exercício físico na gestação, e com horizontes cada vez
mais abertos. Em uma rápida pesquisa nos portais de artigos científicos
na área da saúde, mais de 3.200 artigos sobre os benefícios do
exercício na gestação podem ser rastreados.
A
avaliação médica pré-natal é fundamental e, quanto mais cedo, melhor.
Não havendo complicações na gestação, e com a liberação do obstetra, uma
grande gama de atividades fica à escolha da gestante. Só ficam de fora
atividades com possibilidade de contato físico traumático (como futebol,
alpinismo, esportes acrobáticos, etc.) e mergulho. Até mesmo a antiga
recomendação de não iniciar nada novo durante o primeiro trimestre já
foi flexibilizada.
Em mulheres
previamente saudáveis, com gestações sem complicações, a recomendação é
de pelo menos 30 minutos diários de atividades leves a moderadas, 4 a 5
dias por semana, sempre com orientação.
A dança de salão
tem um perfil de exigência física dentro desta intensidade, se
considerarmos aulas regulares e até mesmo bailes.
Em geral, os benefícios do exercício físico na gestação incluem a
diminuição do tempo de trabalho de parto, a menor incidência de parto
cesáreo e de depressão pós-parto, e menor tempo de hospitalização.
Especificamente
na dança de salão, os benefícios para a gestante passam por melhorar a
autoestima, auxiliar no controle do peso, estimular o cuidado com a
postura e ativar a circulação periférica (diminuindo o edema de membros
inferiores).
A dança de salão presta-se muito bem a ser
uma atividade iniciada na gestação, e também pode ser mantida com
segurança por mulheres que já praticavam antes.
Neste
período tão delicado de alterações corporais e de autoimagem, é muito
importante assegurar-se de não haver perdas sociais e psicológicas. Ao
lado de todos os sentimentos afetuosos que cercam a gestante e a
circunstância de formar ou aumentar uma família, muitos sentimentos de
restrição ou alteração da imagem corporal podem trazer momentos de
tristeza ou oscilação de humor à mulher. Neste momento, é muito bom
poder praticar uma atividade em que se é gentilmente conduzida por um
parceiro, em que se participa de um grupo social e em que os possíveis
desconfortos físicos são amenizados ou evitados. Se a gestante puder ter
o pai do bebê como parceiro de dança, tanto melhor! Aliás, esta pode
ser uma situação de maior integração do casal; se antes somente ela
fazia aulas de dança de salão, a gestação seria um ótimo momento para
convidar o pai do bebê a entrar na dança. A cumplicidade, a colaboração e
o entendimento das alterações corporais da parceira só reforçariam o
suporte emocional.
Para desfrutar da dança de
salão com toda a tranquilidade na gestação, alguns detalhes devem ser
lembrados, particularmente com relação à biomecânica. Com o aumento do
volume abdominal, a mudança do centro de gravidade da mulher é uma
dificuldade real a ser manejada pelo par que dança.
A
região lombar (nas costas, abaixo da cintura) acentua sua curva natural,
e o tronco se inclina para trás; chamamos esta situação de hiperlordose
lombar. Este efeito é atribuído principalmente ao aumento do peso e ao
deslocamento do centro de gravidade para frente. Para conseguir
manter-se na posição ereta, a bacia se inclina para frente e a região do
tórax se dobra para trás. A região que está exatamente no meio desta
“briga de forças de compensação” é a lombar, que sofre bastante,
principalmente no final da gestação.
Tão logo aumente o volume abdominal, a adaptação do abraço é
recomendável. A conexão deverá ser mais aberta, uma vez que a tentativa
de aproximação dos troncos poderá aumentar a hiperlordose da dama (foto 1); para o cavalheiro poderá também trazer dificuldades à postura e à condução dos passos (foto 2).
O abraço aberto, com a dama correndo o braço esquerdo pelo braço do
cavalheiro, permite adequação do centro de gravidade e uma colocação
harmoniosa de ombros, mãos e cervical (foto 3).
As recomendações de adaptação do abraço considerando as diferenças de
altura do casal seguem valendo, assunto que já comentamos no artigo “O abraço saudável na Dança de Salão”.
Já na foto acima, vemos que o abraço ao revés é bastante confortável
na gestação e, havendo domínio técnico do casal nos ritmos em que é
aplicado – como tango, samba e soltinho – , seu uso é bastante
recomendável.
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Ao longo da dança, com a constante troca de peso decorrente da variação
de passos, será um desafio à gestante manter uma postura correta. Os
passos ou momentos de passagem em que o apoio for unipodálico (em um pé
só) provocarão o aumento da hiperlordose lombar (foto 4), pois a base
estará menor. É quase impossível dançar sem passar por situações de
apoio unipodálico, mesmo que sejam breves. Portanto, deve haver um
empenho para não soltar a musculatura do abdome e manter os músculos que
sustentam a coluna tônicos. Daí a importância de já antes da gestação
ter um bom condicionamento muscular destas áreas. A técnica de Pilates
traz grandes contribuições a estas valências, antes ou durante a
gestação, e também é uma aliada da gestante que deseja manter uma coluna
saudável.
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Com relação ao tamanho do salto das damas gestantes, valem as
recomendações de permanecer na altura de 2 a 5 cm. Ainda assim, daríamos
preferência às sapatilhas, uma vez que qualquer salto altera mais ainda
o centro de gravidade e piora a sobrecarga lombar (foto 5).
Bem, mesmo sem querermos ser restritivos, cabe recomendar cautela com
relação a ritmos mais saltitantes, como o Lindy Hop, e outros que
trabalhem com extremos de oscilação axial, como o zouk. Embora não haja
trabalhos científicos objetivando esta recomendação, parece-nos adequado
contraindicar a prática de zouk na gestação, devido à grande ondulação
de coluna e às mudanças extremas de amplitude da base e de deslocamento
do centro de gravidade. Se mesmo antes da gestação este ritmo exige
grande preparação física e consciência corporal, neste período delicado
redobrariam-se os cuidados.
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Em contrapartida, ao falar de dança de salão e gestação, não podemos
deixar de lembrar a poética imagem de Natacha Poberaj que, aos sete
meses de gestação, foi campeã de Tango Salón, junto a seu parceiro
Fabián Peralta, no Campeonato Mundial de Tango em Buenos Aires, 2006.
Então, alguns lembretes finais sobre dança de salão na gestação:
PARA AS DAMAS:- Os cuidados com a gestação começam muito antes dela. Uma mulher saudável, fisicamente ativa, terá uma gestação mais tranquila e com menos desconfortos. Exercite-se sempre.
- Siga o programa pré-natal corretamente e aguarde a liberação do obstetra para iniciar ou mesmo manter um programa de dança de salão na gestação, mesmo considerando-se saudável.
- Em caso de existirem doenças prévias (como hipertensão, diabetes, etc.), a liberação do clínico (cardiologista, endocrinologista ou outro profissional médico que a acompanhe) é também indispensável. Mas nunca pense que estas condições são motivo para não exercitar-se; pelo contrário! Se não houver contraindicação obstétrica, o exercício é necessário!
- Escolha sapatos adequados e dê atenção à hidratação antes e após dançar.
- Professoras e damas profissionais de dança de salão, que despendem muitas horas em pé, e praticam a modalidade de forma mais intensa, devem levar isto ao conhecimento de seus médicos e adequar sua rotina de ensaios e apresentações a esta fase (não esqueça que depois da gestação sua vida profissional continuará, e você precisa estar saudável!).
PARA OS CAVALHEIROS:
- Sensibilize-se com relação às particularidades de postura, abraço, deslocamentos e passos adequados para a dama gestante. Se dançar com ela durante toda a gestação, perceba que o corpo e as emoções mudarão a cada mês, a cada aula, a cada dança.
- Ao saber da gravidez de uma aluna, manifeste o quanto é positivo ela permanecer dançando, mas não esqueça de solicitar a liberação do médico. Ela deve vir por escrito, e de preferência, uma vez por trimestre, pois a gestação é uma situação muito dinâmica e de mudanças constantes.
- Verifique se o conteúdo da aula deve ser adaptado, se a aluna deve receber recomendações diferenciadas para a realização do passo (postura, deslocamento, etc.), e até mesmo se não seria adequado encaminhá-la temporariamente para outra turma. Por exemplo: no segundo e terceiro trimestres de gestação seria mais adequado substituir uma aula de zouk por outra que não solicite tanta movimentação de coluna, como bolero, tango ou West Coast Swing.
- Mesmo com liberação médica, fique atento aos sinais de alerta: se a aluna reclamar de dor de cabeça, tontura ou falta de ar, interrompa a atividade e solicite a um familiar que providencie atendimento. Sangramento ou perda de líquido amniótico exigem socorro imediato.
Por
fim, dama gestante, dance muito! Vários estudos sugerem que os bebês de
mães que dançaram na gestação apreciam mais a música e o movimento,
aprendem mais rápido e têm melhores relações sociais. Nenhuma destas
suposições foi definitivamente provada, até porque muitos fatores estão
envolvidos e dificilmente poderíamos atribuir estes ganhos a uma só
variável. O que vale mesmo é ter alegria e saúde na gestação; tem mais
alguém dançando com (e dentro de) você, e se você estiver feliz, este
pequeno alguém também estará!
LINDOOOOOOOOOOO
http://www.dancaempauta.com.br/site/artigo/gestacao-e-danca-de-salao/