A dança de salão para crianças
vem ganhando um espaço específico dentro das escolas de dança, e vem
para ficar. Mais do que uma demanda de mercado, ensinar dança em pares
para crianças traz inúmeros benefícios físicos, comportamentais e
sociais.
É comum os pequenos começarem a dançar imitando os pais ou outro
casal referencial e acompanhando-os à escola de dança durante o horário
das aulas. O grande apelo televisivo atual também contribui para tornar a
dança uma atividade alvo para os pequenos.Por que não transformar esta ocasião em uma oportunidade para melhorar a saúde e favorecer os processos de desenvolvimento?
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Vencendo o sobrepeso
Tornar as crianças urbanas mais ativas é um dos grandes desafios do nosso tempo.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 15%
das crianças brasileiras já estão com sobrepeso, e 33% estão obesas. A
má nutrição associada a uma rotina com pouca atividade física condena as
crianças a entrar precocemente num perigoso grupo de risco: o das
doenças cardiovasculares, do diabetes, e várias outras doenças
relacionadas a um metabolismo alterado. Um estudo realizado pela
Universidade de São Paulo em 2007 revelou que assistir à TV por mais de 2
horas diárias está associado ao aumento do IMC (Índice de Massa
Corporal) entre os meninos. Em relatório do IBOPE (Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística, 2010), o tempo médio de exposição das
crianças brasileiras entre 4 e 11 anos à TV é de 5h04min43s, alarmante
se comparado às 4h26min que elas dedicam à escola.
A dança de salão pode ter um
papel muito importante neste contexto: estimular a criança e o
pré-adolescente a realizarem um exercício divertido, social e adequado
ao seu corpo em desenvolvimento. Nutrindo apreço pela
dança e querendo melhorar em seu desempenho, entenderá a necessidade da
regularidade, indispensável para alcançar qualquer objetivo em
atividades corporais. Além disso, construirá uma rotina de exercícios
físicos na idade em que ela deve ser formada, pois é fato que a maior
parte dos adultos sedentários não tiveram o hábito do exercício físico
estimulado na infância. Depois desta fase, ele tende a não priorizar o
exercício em sua rotina e dificilmente alcançará uma regularidade que
favoreça a saúde. A hora de colocar o exercício na vida do indivíduo para que ele não saia mais da sua rotina é na infância e adolescência.
A dança de salão, contando com a música, a brincadeira e o convívio em
grupo, tem todos os ingredientes para tornar-se atrativa aos pequenos.
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Menos sofá e menos videogame = melhor postura
O uso dos jogos eletrônicos
como passatempo já é prática comum há algumas décadas. O que chama a
atenção é que, nos últimos anos do século XX, os videogames eram
dirigidos aos adolescentes e adultos jovens, enquanto que, atualmente,
crianças de idade muito menor despendem horas do seu dia com estes
jogos. A insegurança das grandes cidades também faz com
que os pais e cuidadores prefiram que as crianças permaneçam dentro de
casa sob seus olhares, à frente da TV, do que na rua, em atividade
física.
Desta forma, é comum a criança passar várias horas sentada em posição
inadequada, com a postura “solta” sobre almofadas ou poltronas, e assim
desenvolver um péssimo hábito postural. As consequências mais comuns
são a aquisição de uma hipercifose dorsal (“corcunda” ou aumento da
curvatura da coluna na região dorsal), o encurtamento dos músculos
ísquio-tibiais (atrás das coxas) e a protrusão abdominal. Em pouco tempo
a criança poderá ter dores nas costas, perder a agilidade para
movimentações simples (como amarrar o sapato) e começar a acumular
gordura entre as vísceras abdominais, que é a mais nociva.
O
desenvolvimento de jogos interativos, que exigem a movimentação do
jogador (como o conhecido Wii) é ainda motivo de controvérsia nos
diversos estudos científicos já existentes sobre o assunto. Mesmo
exigindo uma utilização mais ativa do corpo, ainda não foram
demonstrados benefícios definitivos na formação de um hábito de
exercício efetivo com estes jogos. O melhor mesmo é desligar o jogo e ir
para a vida real, conhecendo novos amigos e oferecendo novos estímulos
ao organismo.
A dança de salão é uma
excelente ferramenta para dar noções ao corpo em formação: entender a
movimentação individual e em pares, perceber as diferenças de conduzir e
ser conduzido, colaborar com o par para que o movimento aconteça,
cuidar para não bater nos outros dançarinos da pista, demonstrar
elegância (ou outras qualidades de movimento) quando o professor
estimular, etc. Estas e outras questões abrangem
conceitos de biomecânica, cinesiologia e cinestesia (só para citar
alguns), trazidos para um nível de entendimento compatível com a criança
e o pré-adolescente. Divertindo-se, ele estará aprendendo sobre sua
saúde, arte e comportamento em grupo. Desenvolverá familiaridade com o
contato corporal harmônico com outros colegas, aprendendo a cuidar e
respeitar.
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Idade para começar
Nenhum consenso está posto
neste sentido, mas dentro de uma lógica de desenvolvimento
neurocognitivo e social, podemos sugerir que a dança de salão para
crianças seja iniciada a partir dos 7 anos. Antes desta
fase, a criança ainda estará focada em si mesma, desenvolvendo noções
mais amplas de movimentação (correr, saltitar, girar), equilíbrio e coordenação.
A partir dos 7 anos já é possível o processo de aprendizagem por
imitação ou “cópia do corpo do outro e do que existe de comum em todos
os corpos humanos”, como descreveu Piaget. As noções de espaço,
deslocamento e repetição de padrões já podem começar a ser trabalhadas, e
a orientação do professor já passa a ser compreendida. É nesta idade, e
não antes, que se indica o início do trabalho específico em dança, tal
como no ballet clássico. Um trabalho anterior a esta idade não deverá
ser técnico, senão lúdico e educativo, apenas com noções de ritmo e
coordenação.
Posteriormente, até os 12 anos, na chamada fase de operações
concretas, já se supõe que o aluno possa absorver satisfatoriamente mais
elementos técnicos de dança e tenha melhor controle neuromuscular. Já
são possíveis objetivos estéticos, artísticos e performáticos,
exploração de força-peso e entendimento de ritmos ternários e
quaternários. E após os 12 anos, na fase de operações formais, os gestos
já estarão mais precisos, é entendida a movimentação dependente do
corpo do companheiro e todos os ângulos e direções são utilizados na
ocupação do espaço. A partir de então, no decorrer da adolescência, a
passagem para uma turma de dança de salão adulta ocorrerá na medida do
amadurecimento do aluno e do consenso com o professor e o grupo que
acolhe.
Estes aspectos educacionais tem clara relação com a saúde neurológica
e psíquica da criança e, obviamente, requerem um professor que domine
tais conceitos. O aluno de dança
de salão infantil não é um “mini-adulto”, e é recomendável que o
professor que conduz este grupo esteja familiarizado com o tema, que
seja experiente e paciente com crianças, e que tenha passado pelo
preparo pedagógico de uma licenciatura.
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Cuidados
É certo que a dança de salão
infantil pode promover a saúde, mas também pode ameaçá-la se alguns
cuidados não forem observados como, por exemplo, os sapatos,
principalmente para as meninas. Sapatos de salto muito
alto deslocam os pontos de maior pressão para a frente do pé (antepé),
podendo causar deformidades, inflamações e até problemas de crescimento
na ossatura ainda jovem. Atualmente, o apelo estético para as meninas
imitarem mulheres adultas em vestuário, maquiagem e acessórios é muito
grande; entretanto, o sapato para dança de salão infantil deve ter um
salto não superior a 3 cm, pelo menos até que a menina atinja a
puberdade. Já há marcas especializadas em calçados para a dança de salão
que oferecem modelos adequados.
Outro cuidado que deve ser observado é quanto a portagens, que devem ser evitadas nesta fase.
Na linguagem de dança, portagem se refere a quando um bailarino
“carrega” o outro, executando passos de maior destreza acrobática e,
geralmente, com finalidade de apresentação cênica (nos salões, as
portagens não são muito bem-vindas). O termo vem do francês porté, mas
em português também é muito chamado de “pegada”. O mais comum é um
bailarino portar uma bailarina. Se tivermos uma dupla de crianças que se
apresenta ou participa de competições, será provável que o coreógrafo
deseje utilizar este recurso para causar uma melhor impressão
performática.
Entretanto, vale
lembrar que, aproximadamente até os 14 anos, não se recomenda trabalhar
com carga adicional, ou seja, apenas o peso do próprio corpo é indicado
para o trabalho de força sem risco de lesão. Após a
entrada na puberdade, quando as placas de cartilagem do crescimento
calcificarem, pode-se trabalhar com a carga adicional adequada.