A dança de salão surgiu em um período da história da humanidade, e em
uma sociedade tal, que uma das regras de convivência familiar era
vulgarmente conhecida como: “o homem é a cabeça do casal”. Naturalmente,
esta condição refletiu-se no produto artístico e de entretenimento da
época, a dança de salão. O interessante, neste caso, é que para dança de
salão haveria uma justificativa aparentemente mais lógica do que para a
sociedade de outrora: a compleição dos corpos masculinos e femininos.
Em
média, homens são maiores e mais fortes que mulheres, logo,
teoricamente, seria mais fácil a dança acontecer com cavalheiros homens
conduzindo damas mulheres, do que o inverso.
A
experiência mostra que, na maioria das danças, a atividade de um
cavalheiro exige muito mais fisicamente do que a atividade de uma dama, e
entendo que exija ainda mais se quem está no papel de cavalheiro é uma
mulher e quem está no papel de dama é um homem. Esta análise, baseada na
experimentação, justificaria satisfatoriamente a razão pela qual
cavalheiros conduzem na dança de salão. Já a mesma explicação para a
sociedade seria, no mínimo, questionável.
De qualquer forma, o tempo passou, vieram as guerras, muitas vidas
masculinas foram perdidas nestes jogos mortais, outras sobraram com
severas deficiências incapacitantes. Por uma questão de sobrevivência,
as mulheres precisaram assumir a posição de provedoras de suas famílias,
tornando-se “as cabeças”, conduzindo e iniciando uma revolução nas
relações de gênero, que viria para ficar.
Séculos se passaram, a sociedade mudou e, hoje, não há mais uma regra sobre quem conduz ou provê uma família, que, apesar de todas as suas possibilidades e formas de existência, ainda é uma importante unidade de organização social.
Os mesmos séculos não foram suficientes para mudar esta regra na
dança de salão, em que o cavalheiro conduz, ou propõe movimentos, e a
dama os aceita para que algo aconteça. Nesta arte, congelou-se um tempo
histórico que não existe mais.
Há cerca de uma década ou pouco
mais que isto, onde seria o foco de maior profusão criativa em dança de
salão no Brasil, surgiu a ideia de que damas poderiam propor conduções
sobre movimentos de cavalheiros, mudando o que fora
arquitetado por ele durante a dança. Esta ideia foi levada a prática,
revelando que os cavalheiros, em sua maioria, não se sentiam bem com
surpresas de conduções executadas por damas, mudando seu planejamento.
Era visível em suas expressões. A realidade foi que estas iniciativas
não se fixaram nas danças e sumiram no tempo. A questão é: por qual
motivo? Seria porque os homens ainda não absorveram plenamente as
mudanças sociais que ocorreram, continuam ocorrendo e se agarram a um
passado em que seu poder era mais amplo? Seria porque as damas não
sabiam conduzir precisamente? As diferenças morfofisiológicas
explicariam? Ou haveria uma conjunção destes e quiçá outros fatores?
Ainda não há como saber, talvez um dia algum estudioso se dedique a
elucidar esta intrigante questão.
Sem
dúvida, a mudança nesta regra pétrea da dança de salão revolucionaria, o
que não significa algo ruim ou bom, mas, diferente, fonte de
variabilidade. A dança de salão passaria do patamar
proposta-aceitação, para uma espécie de diálogo, necessariamente mais
interativo. Sem dúvida, haveria um explosivo surgimento de novos
movimentos. Ao mesmo tempo, fomentaria um estreitamento na relação
psicológica que há entre cavalheiro e dama. Intrigas poderiam surgir
mais facilmente, mas também o prazer e a diversão para os que soubessem
desfrutar desta quebra de paradigma. Isto exigiria maior domínio sobre
as próprias emoções e reações.
Exigiria treino de habilidades próprias da “inteligência emocional”,
tão brilhantemente levada a popularização por Daniel Goleman, em 1995.
Curiosamente, a idéia da inteligência emocional fora tratada
primeiramente por Darwin, em meados do século XIX, quando se referiu à
importância da expressão emocional para a sobrevivência e adaptação.
Entre Darwin e Goleman, muitos estudaram esta questão que, hoje, está
pronta para ser corroborada sob os auspícios da dança de salão.
Talvez, homens e mulheres da atualidade não estejam maduros o
suficiente para quebrar o paradigma do vetor da condução na dança de
salão, ou simplesmente cedem à ditadura da compleição.
Quem
sabe em gerações futuras ocorra a revolução que fará surgir uma nova
modalidade de dança de salão, sem necessariamente eliminar o que existe,
mas acrescentando uma possibilidade que exige muito mais domínio de si e
capacidade de interação, promovendo a chance de cavalheiros e damas
arquitetarem conjuntamente cada dança.
http://www.dancaempauta.com.br/site/artigo/e-se-as-damas-conduzissem/comment-page-1/#comment-3464
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